Pode ser surpreendente, mas ainda há uma parcela significativa de cidadãos brasileiros que não possuem um Código de Endereçamento Postal (CEP). Esse sistema foi estabelecido pelo governo do Brasil em 1971 para agilizar a logística de entrega de correspondências e produtos, contudo, existem pessoas que estão à margem desse sistema. As informações são do UOL.
Maria Vanusa Rodrigues, de 46 anos, é uma dessas pessoas. Residente na Rocinha, no Rio de Janeiro, há um quarto de século, essa dona de casa enfrenta dificuldades para receber suas correspondências devido à inexistência de um CEP associado à sua residência.
Ela habita na parte mais elevada da comunidade, área que não possui regularização oficial pela prefeitura.
Embora as correspondências cheguem até a Rocinha, os serviços postais dos Correios não conseguem localizar sua moradia devido à ausência de formalização dos endereços e numeração dos imóveis. Em muitos casos, a redistribuição das encomendas fica a cargo das associações de moradores.
Atualmente, Maria é mãe de dois adolescentes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA), um com 11 anos e outro com 16 anos. Diante das necessidades especiais de seus filhos, ela decidiu abrir mão do trabalho em um restaurante para se dedicar inteiramente aos cuidados deles, além das tarefas domésticas, enquanto seu marido enfrenta uma jornada dupla de trabalho assalariado.
Mesmo para equipar a casa, ela teve que recorrer ao comércio local.
Iniciativas locais buscam contornar as dificuldades causadas pela falta de um CEP. Um exemplo é a parceria estabelecida entre as Lojas Americanas e a G10 Favelas, visando facilitar a logística de entregas dentro dessas comunidades.
Organizações como a ONG Gerando Falcões e a startup naPorta desenvolveram um projeto que oferece aos moradores de comunidades um tipo de endereço digital para auxiliar na recepção de encomendas.
Outra alternativa é a empresa familiar Carteiro Amigo, que surgiu nos primeiros anos do século XXI. Esta empresa mantém uma base dentro das favelas para receber entregas de outras transportadoras ou empresas.
Atualmente, o Carteiro Amigo possui cerca de 1,5 mil assinantes, a maioria com idades entre 24 e 35 anos. Seus funcionários são moradores das favelas e têm amplo conhecimento de cada CEP correspondente às ruas.
O serviço está presente em diversas comunidades, como Rocinha, Rio das Pedras, Cidade de Deus, Vidigal, Vila das Canoas, Parque da Cidade, Muzema, Tijuquinha, Gardênia e Morro do Banco.
De acordo com a arquiteta e professora da UFRJ, Solange Carvalho, dado que essas áreas se desenvolvem em regiões ausentes do planejamento urbano da cidade, os habitantes acabam ficando à margem do sistema de endereçamento postal.
Além de simplificar as entregas, o CEP é um instrumento crucial para o exercício da cidadania. Ao terem o bairro reconhecido, os moradores obtêm acesso a direitos fundamentais, como iluminação pública e saneamento básico. A regularização urbanística coloca a Prefeitura como agente responsável pela conservação desses territórios.