A decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a obrigação das empresas de planos de saúde em custear procedimentos cirúrgicos de transgenitalização e de implante de próteses mamárias para mulheres transexuais. As informações são do STJ.
A fundamentação do colegiado baseou-se no reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desses procedimentos como parte do processo de afirmação de gênero, permitindo a transição de identidade masculina para feminina. Tais procedimentos também foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), como parte do processo de transexualização.
Consequentemente, o colegiado concluiu que tanto a cirurgia de transgenitalização quanto o implante de próteses mamárias não devem ser categorizados como procedimentos experimentais ou meramente estéticos.
A ação judicial foi iniciada por uma mulher transexual que buscava compelir a operadora do plano de saúde a custear tais cirurgias.
As instâncias inferiores acataram o pleito, condenando a operadora a autorizar os procedimentos cirúrgicos e a assumir todas as despesas médicas pertinentes, incluindo os cuidados pré e pós-operatórios. Adicionalmente, foi determinado o pagamento de uma indenização de R$ 20 mil por danos morais.
No recurso especial encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a operadora argumentou que o tratamento não estava dentro da cobertura obrigatória, alegando que a intervenção para mudança de gênero era experimental.
Esta posição era respaldada pelo fato de que o procedimento estava disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) sob essa natureza. Além disso, afirmou que a cirurgia de plástica mamária era coberta apenas para tratar câncer, enquanto o implante requisitado pela autora era considerado estético.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, notou que a autora da ação é uma mulher transexual, conforme definição do artigo 1º da Resolução 2.265/2019 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Sua condição é classificada atualmente pela medicina como incongruência ou disforia de gênero (CID 11 – HA60).
A relatora salientou que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa condição frequentemente resulta em um desejo de “transição” para que a pessoa possa viver e ser reconhecida conforme o gênero sentido, seja por meio de terapia hormonal, intervenção cirúrgica ou outros cuidados médicos, visando alinhar o corpo à identidade de gênero.
Nancy Andrighi destacou que o Ministério da Saúde, por meio da Portaria 2.836/2011, introduziu o acesso ao processo transexualizador nos serviços públicos de saúde. Este acesso foi ampliado pela Portaria 2.803/2013, que incorporou novos procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais à lista de serviços oferecidos pelo SUS.
A ministra sustentou em sua decisão: “Em complemento a essas normas, o CFM publicou a Resolução 2.265/2019, para “disciplinar sobre o cuidado a transgênero em relação às ações e condutas realizadas por profissionais médicos nos serviços de saúde, seja na rede pública ou privada”.
O artigo 4º da resolução estabelece que a atenção especializada a transgênero “deve contemplar o acolhimento, o acompanhamento ambulatorial, a hormonioterapia e o cuidado cirúrgico, conforme preconizado em projeto terapêutico singular norteado por protocolos e diretrizes vigentes”.
Dentro desse contexto, a ministra observou que os procedimentos de transição de gênero solicitados pela requerente não podem ser rotulados como experimentais, refutando a alegação da operadora nesse sentido.
Segundo Nancy Andrighi, a interpretação do artigo 19-Q, parágrafo 2º, incisos I e II, da Lei 8.080/1990 conduz à conclusão de que a inclusão desses procedimentos no âmbito do SUS confirma a existência de embasamento científico quanto à sua eficácia, precisão, efetividade e segurança.



